Eu vi a boca da noite
Escurecer de repente
Morder do sol um pedaço
Que morria no poente
Pra doze horas depois
Vomitá-lo no nascente.
edinaldo leite.
Imagem: Gilmar Leite
BOM DIA SAUDADE
adeus saudade! eu disse um dia
contemplando a tua fortaleza
carregava na alma uma certeza
certeza que há muito já não via
na boca um sorriso de alegria
na face nem um traço de tristeza
nos olhos um reflexo da beleza
beleza que somente em ti havia
de repente, não sei como explicar
um ruído surgiu de algum lugar
uma voz estrangulada, uma agonia
uma voz fugidia, quase morta
era a saudade por detrás da porta
me esperando prá dizer – bom dia!
edinaldo leite
AMAR,ESTRANHO AMOR
vai depressa buscar as tuas balas
por favor, não tragas balas de festim
para assasinar o amor que há em mim
é necessário muito mais que balas
é necessário a agressão das falas
o corte do sabre, o fogo do estopim
para assasinar um amor assim
é necessário muito mais que falas
vai depressa buscar a solidão
não te esqueças dessa tal desilusão
só assim, talvez me faças mal
tráz contigo, teu ódio teu rancor
e aquela estranhíssima forma de amor
feita de faca e punhal.
edinaldo leite
SEGREDOS
não conte a ninguém nossos segredos
não diga a ninguém que já te amei
diga mesmo que te maltratei
não revele as carícias dos meus dedos
não segredes nem mesmo aos arvoredos
eu não sei se algum dia te contei
certa vez para eles segredei
e eles revelaram nossos medos
não conte nada ao travesseiro
ele é perverso,víl e bandoleiro
te envolve em calor e te faz dormir
e ao te ver assim adormecida
sairá na noite e dirá pra vida
que já te fiz sonhar, que já te fiz sorrir.
edinaldo leite
INCENDIÁRIA SETA
Canta.
Canta que ainda há tempo
Leva teu canto
Aos quatro cantos do planeta
Que a tua voz incendiária seta
Certeira e calma
Como a mão do esteta
Calcine tudo, inclusive a alma.
Canta,
Canta que ainda há tempo,
Nós estamos vivos.
Edinaldo leite.
...Um dia eles disseram
Para que não falássemos,
E nós calamos.
Noutro dia eles disseram
Para que não cantássemos,
Nem músicas, nem hinos,
E nós emudecemos.
Disseram também
Para não sairmos de casa,
E nós nos trancafiamos.
Disseram que nós não nos amássemos,
E nossos lábios secaram.
Foi então que eles disseram
Para que a lua não brilhasse.
Aí, a lua nasceu
Redonda e sanguinolenta
Por trás da capelinha do monte.
Só assim percebemos
Que a força deles não era tanta.
O sol nasceu novamente.
edinaldo leite.
Outro escritor que revelou admiração à obra do poeta paraibano foi Carlos Drumond de Andrade, comparando-o a Olavo Bilac e questionando a eleição deste, pela revista Fon-Fon, como príncipe dos poetas brasileiros:
“Em 1913, certamente mal informados, 39 escritores, num total de 173, elegeram por maioria relativa Olavo Bilac príncipe dos poetas brasileiros. Atribuo o resultado a má infomação porque o título, a ser concedido, só poderia caber a Leandro Gomes de Barros, nome desconhecido no Rio de Janeiro, local da eleição promovida pela revista Fon-Fon, mas vastamente popular no Nordeste do país, onde suas obras alcançaram divulgação jamais sonhada pelo autor de ‘Ouvi Estrelas’. E aqui desfaço a perplexidade que algum leitor não familiarizado com o assunto estará sentindo ao ver defrontados os nomes de Olavo Bilac e Leandro Gomes de Barros. Um é poeta erudito, produto da cultura urbana e burguesa média; o outro, planta sertaneja vicejando à margem do cangaço, da seca e da pobreza. Aquele tinha livros admirados nas rodas sociais, e os salões o recebiam com flores. Este, espalhava seus versos em folhetos de cordel, de papel ordinário, com xilogravuras toscas, vendidos nas feiras a um público de alpercatas ou pé no chão. A poesia parnasiana de Bilac, bela e suntuosa, correspondia a uma zona limitada de bem-estar social, bebia inspiração européia e, mesmo quando se debruçava sobre temas brasileiros, só era captada pela elite que comandava o sistema de poder político, econômico e mundano. A de Leandro, pobre de ritmos, isenta de lavores musicais, sem apoio livresco, era o que tocava milhares de brasileiros humildes, ainda mais simples que o poeta, e necessidade de ver convertida e sublimada em canto a mesquinharia da vida. Não foi príncipe de poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão, e do Brasil em estado puro”.